terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mundo da Lua

Devo confessar que nunca fui um fanático apreciador das coisas da natureza, o que não me transforma, assim espero, automaticamente, em alguém menos sensível, mais desumano ou avesso aos movimentos em defesa do planeta que é nossa “nave-mãe”. A coisa é bem menos complexa. Desde que me entendo por gente, sempre fui de apreciar mais a natureza humana. Enquanto as pessoas se sentam nos bancos da praia de frente para o mar, apreciando sua majestosa imensidão, eu sempre preferi sentar-me em direção ao calçadão olhando as pessoas, seus comportamentos, suas reações. Em viagem, me atraia mais do que os encantos naturais do novo local, o jeito de ser de seu povo. No campo, o movimento bucólico das pessoas do lugar sempre me saltava aos olhos, o que dificilmente acontecia ao ver bois, cavalos, galinhas, porcos. Até para assistir documentários, tipo os que a passam no Globo Repórter, em casa já era conhecida minha pergunta: “hoje é sobre bicho ou sobre gente?” E só me dava vontade de assistir quando o foco era o ser humano. Enquanto namorados olham para a lua, eu sempre achei melhor olhar os detalhes, mesmo os menores, da outra pessoa, aquilo que dizem seus olhos, seus gestos, suas palavras, sua fisionomia, o tom de sua voz, as pequenas mudanças desde a última vez que nos vimos... Fica difícil fazer isso olhando a lua. Pode parecer cinematográfico, mas me ensina pouco sobre a outra pessoa, quando o que mais importa é nos descobrirmos um no outro, tornando-nos pessoas melhores do que somos. Obviamente que não menosprezo aqui o poder do silêncio que neste momento pode chegar a permitir que um ouça bater o coração do outro, nem a desejada cumplicidade do olhar juntos numa mesma direção, e nem mesmo a singeleza do instante de adoração e reconhecimento profundo da existência de algo maior ante nossa pequenez. Sempre achei tudo isso válido, importante, necessário e belo, mas pouco prático se não aprendemos, também, a olhar um para o outro.

Continuo pensando assim, mas aí hoje, noite de lua cheia, meio que ao acaso, me vi olhando a lua. Na verdade era um olhar absorto. Aí, como na poesia, não mais que de repente, olhei-a diretamente, embora com a sensação de que foi ela que olhou primeiro pra mim e de que eu reagia olhando-a de volta, mais ou menos como acontece quando duas pessoas começam a se apaixonar, se olhando de soslaio, sempre desviando os olhos quando um sorrateiramente observa o outro. A diferença foi que não desviamos o olhar, nem eu e nem a lua, e ela me contou, acho que em defesa própria, que ela pode ter uma função diferente das tradicionais contemplações, quer estejamos sós ou acompanhados. Ela me disse que, a depender da distância, dos fusos de horário, do momento do ano e do clima, ela serve de elemento de ligação entre pessoas que estão separadas, seja qual por for o motivo. Se duas pessoas que se querem bem, ainda que fisicamente longes uma da outra, olharem no mesmo momento para ela, que herda seu brilho da capacidade de refletir, tal coincidência de olhares permite que ambos se vejam e aplaquem um pouco da saudade que sentem um do outro. Não é muito, me disse a lua, mas ela fica feliz com o pouco que pode fazer por essas pessoas. Me disse ainda, que já viu muitos apaixonados sorrirem quando percebem essa ligação, que já presenciou pais e filhos a utilizarem como ponte entre si, que até já testemunhou amigos de infância se descobrirem, surpresos, juntos novamente por meio de seu espelho lunar. Mas o que ela mais gosta de observar é quando duas pessoas ainda estranhas uma para a outra, se olham ao mesmo tempo sem saber quando e como irão se encontrar, mas que têm a certeza que um dia poderão estar juntos, e olham para ela, agradecendo-a por poderem antecipar no hoje a alegria futura que um dia experimentarão. E diante de uma colocação como essa, literalmente “do mundo da lua”, não há como não calar-se ante a sabedoria de quem, pacientemente, coleciona os mais diversos tipos de histórias, ali do alto, em suas diferentes fases. Pedi que ela me contasse algumas dessas histórias e ela me disse que a hora já estava avançada e que por hoje bastava, mas que escolheria alguns contos seus para que eu os compartilhasse com pessoas que achasse importante. Pelo visto a lua aprendeu com a Sherazade dos contos das mil e uma noites, ou quem sabe eu vá descobrir, que foi ela, a lua, que ensinou Sherazade a deixar sempre algo para a noite seguinte.

4 comentários:

  1. (...) Cada vez que pienso en ti, así te veo, así nos veo, detenidos para siempre en ese lienzo, invulnerables al deterioro de la mala memoria. Puedo recrearme largamente en esa escena, hasta sentir que entro en el espacio del cuadro y ya no soy el que observa, sino el hombre que yace junto a esa mujer. Entonces se rompe la simétrica quietud de la pintura y escucho nuestras voces muy cercanas.

    -Cuéntame un cuento -te digo.
    -¿Cómo lo quieres?
    -Cuéntame un cuento que no le hayas contado a nadie.

    Rolf Carlé.
    ALLENDE, Isabel. Cuentos de Eva Luna.

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  2. Agradeço aos comentários dos(as) anônimos(as). Embora seja princípio deste blogueiro não colocar qualquer restrição e/ou apreciação prévia para a postagem de comentários, gostaria de saber de quem vieram os comentários... #curiosidadedeprofessor

    Abraços!!!

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  3. Anônimo²... Ana Luiza, tua ex-aluna, mas querida em todo universo!! kkk
    Muito bom seu texto... Achei verdadeiramente lindo, apaixonante... Indescritível!

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